Já era hora do almoço, mas ele não tinha muito apetite. Resolveu sair novamente para a rua. Afinal, a sua ‘missão’ de tentar encontrar o que lhe faltava para se sentir completo, ainda não tinha terminado. Desta vez tinha decidido passar pelo jardim. No jardim existia um parque infantil. Mário adorava passar por lá, para ver os miúdos a brincar e imaginar os seus tempos de infância quando andava exactamente no mesmo baloiço onde estava agora, praticamente quinze anos depois, uma menina de cabelos loiros e compridos que ondulavam à medida que ela ia para trás e para a frente. Mário parou a observá-la. Ainda à pouco, estivera a recordar os seus tempos de infância, e agora já tinha saltado para o futuro, imaginando que ali estaria, naquele local onde se divertira nas tardes de Domingo, desta vez com o seu próprio filho vendo-o a brincar.
A menina que se baloiçava deixou perder o balanço e quando achou que já tinha segurança, deu um pequeno pulo para a terra batida. Mário aproximou-se dela, baixou-se e perguntou:
- Olá! Como te chamas?
Mas a menina, que teria pouco mais de cinco anos, baixou os olhos e balbuciou algo, muito difícil de perceber, mas que parecia o seu nome. Logo de seguida afastou-se, com ar muito tímido, em direcção aos seus pais que tomavam café numa pastelaria ao lado do parque infantil. Mário seguiu a menina tímida com o olhar. Mas não se importou que ela não lhe tivesse falado. Ele gostava muito de pessoas tímidas. E por mais incrível que pudesse parecer, porque tinha uma certa inveja delas. Ele era uma pessoa extrovertida, mas achava que mesmo os extrovertidos tinham de ser tímidos num primeiro encontro. Mário tinha horror àquelas pessoas que ficavam logo íntimas como se não fosse necessário fazer nada para conquistar os outros. Até já tinha sido apresentado a pessoas, que logo no primeiro encontro, o tomaram como se fosse um território onde achavam que podiam entrar sem convite. Eram os tímidos, os tímidos convictos que tinham a sua admiração. E particularmente admirava uma sua amiga: a Vera. Essa sim, era tímida até aos ossos. Admirava-a, porque ela não se impunha aos outros à força; quando falava era geralmente porque tinha qualquer coisa de importante para dizer, ouvia as histórias dele até ao limite da paciência e era o ombro onde mais apetecia chorar. Vera era uma pessoa muito mais sábia do que ele, porque perdia muito mais tempo a observar o que se passava à sua volta. Era muito silenciosa. Mas o seu silêncio não era pesado. Acima de tudo tinha um sorriso que Mário geralmente não tinha. E ele sentia uma grande ternura em relação a ela, precisamente por causa disso: como o seu sorriso não era frequente, tinha muita mais graça. Depois começava num canto da boca e ia-se transformando num sorriso só, aos poucos e poucos. Quando Mário conseguia faze-la sorrir, sentia um nó na garganta e só lhe apetecia que ela nunca mais deixasse de o fazer. Mas ela deixava. Havia outras alturas que constituíam verdadeiras vitórias para Mário. Era quando ele conseguia com que Vera deixasse durante um bocadinho de ser tímida com ele – sem ter de usar copos para a desinibir. Para que essas vitórias fossem especiais, era preciso que ela se sentisse tão segura, que fosse ela própria. Era quando ela falava de si e das coisas que a aborreciam, fazia comentários cínicos de quem tinha afinado muito bem as palavras antes de as dizer. Para Mário, Vera era daquelas pessoas que escusavam de trazer presentes ou flores no seu aniversário. Bastava aparecer.