segunda-feira, junho 07, 2004

Ode ao Ódio

Sei que o ódio corrói as entranhas
mas quero deixa-lo correr como ácido sulfúrico
e que me derreta por completo o coração
para que mais nada fique.

Sei que a raiva traz podridão
mas quero que ela venha
para que condiga com tudo o que te rodeia.

Sei que o rancor nos torna negros por dentro
mas quero que ele venha
para que condiga com a noite que derramaste em mim.

O fogo do amor queimou
tudo onde havia uma floresta, onde havia vida...
Agora, só cinzas restam.

E tu num misto de bombeiro e incendiário
Escolheste ser o criminoso
Que lança a bomba de fogo primeiro
E com o intuito de destruir...

E o grito de uma fera ferida
Nunca tem o sentimento de paz
e sim, de ódio, rancor e raiva...


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sábado, junho 05, 2004

O Mundo à minha volta (Cap VI)

Mário abanou fortemente a cabeça, esfregando os olhos de seguida, numa atitude de quem queria apagar o que tinha pensado. Por vezes sentia o forte desejo de apagar Alice da sua vida. A sua relação com ela era de uma espécie de ‘amor-ódio’ e não de pura amizade. Eles tanto trocavam sinais de afecto, como logo a seguir guerreavam por causa de coisas de que mais ninguém se lembraria discutir. Mário resolveu ligar a televisão para se distrair um pouco. Pegou no controlo remoto e foi percorrendo um a um, os canais que o aparelho lhe oferecia. Ele não gostava muito de ver televisão, porque infelizmente aquela caixa que revolucionara o mundo, já não era a mesma coisa. Na realidade, Mário vivia numa altura em que se assistia a um ‘nivelamento por baixo’ através de uma produção crescente de êxitos fáceis, onde a violência, a manipulação de sentimentos e a graça rasteira ocupavam um lugar de destaque. Mário, à medida que ia mudando de canal, via pessoas. Ao mesmo tempo interrogava-se se elas não estariam ali a perder os limites da própria dignidade. Mário ficava agoniado, sempre que via os participantes daqueles programas, deixando-se filmar em momentos que deveriam ser de intimidade, ou a permitirem ser vistos em poses de palhaço pobre. A televisão havia deixado de ser prioritariamente um veículo de cultura e informação. Era agora uma caixa mágica donde saíam viagens, dinheiro fácil, electrodomésticos e até, como no caso do programa que Mário agora assistia, a solução para frustrações afectivas ou rupturas familiares. A televisão, na sua opinião, tinha-se tornado uma espécie de Senhora de Fátima electrónica, que pedia muito pouco em troca: apenas que as pessoas se sentassem frente a ela, ouvindo e vendo sem grande atenção, até que haja alguma coisa que desperte. E Mário era abertamente contra a violência gratuita na televisão, contra a devassa da intimidade de uma família em crise, contra a exploração de sentimentos. Para ele, não havia melhor momento – aquele sim, verdadeiramente mágico – que fazia com que alguém lá em casa desligasse aquele simples botão para comentar o programa violento ou simplesmente para conversar. E desligou a televisão.

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O Mundo à minha volta (Cap V)

Era a única pessoa na sua vida que não correspondia ao seu ideal de amizade. Nada do que ele lhe dissesse estava correcto; os seus conselhos não tinham qualquer validade; e quando ele não tinha mais ninguém com quem desabafar, sem ser ela... Alice quase nunca se mostrava disposta a ouvi-lo. Quando o contrário acontecia, ele acabava sempre por ser rebaixado. Acabavam sempre os dois a discutir, ele argumentando que afinal não valia a pena estar alguma vez a procurar o apoio dela; e ela por sua vez dizendo que já estava farta que lhe pusessem defeitos e mais defeitos. Mas no seu íntimo, Mário não podia deixar de pensar em Alice uma vez que estava apaixonado por ela. Achava que talvez ela nunca se tivesse apercebido que os defeitos que lhe atribuía, fossem apenas os defeitos que a pudessem prejudicar. Ainda pior era, quando ele lhe apontava defeitos que o fizessem sofrer, já que a amava. Mário, já por muitas vezes lhe dizia: “Alice, ouve bem o que te vou dizer: para uma pessoa ter uma verdadeira amizade, não precisa de pensar da mesma maneira da outra, mas sim pensar com ela! Isto não significaria ter as mesmas ideias, mas sim respeitar e aceitar as ideias dos outros. Aqueles que realmente querem ser nossos amigos, não irão concordar em tudo o que fazemos, já que eles são os nossos olhos que nos observam por fora e tentam assim, dar-nos uma perspectiva mais sóbria das coisas. É que todos reclamam ser tratados correctamente e com simpatia; porém, quantos procedem com os outros, do mesmo modo que reclamam para si?

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